Uma das coisas mais complexas da criação de cães é o encaminhamento dos filhotes às suas novas casas. Este momento sempre gera grandes expectativas nos futuros proprietários que, na maioria das vezes, caem no fatídico erro de querer acelerar o processo, pensam: ”Aah! Eu quero um filhote bem novinho!!” , não percebem que ir para uma nova casa significa uma enorme mudança na vida de um filhote.
Não é raro filhotes serem adquiridos por volta dos 40 dias e muitos consideram isso uma prática normal. Mas acreditem! Nesta decisão mora um grande perigo! Ao retirar um filhote de sua matilha nesta idade estará tirando uma oportunidade importantíssima de desenvolvimento social para o filhote, o chamado Imprinting canino.
O imprinting é uma fase pela qual todos os filhotes animais passam e cada espécie possui um período diferente para se estabelecer. Nós, por exemplo, aprendemos muito com nossos pais e irmãos, principalmente na primeira infância. No caso dos cães este período se dá entre o primeiro e quarto mês de vida e não é muito diferente dos humanos, eles precisam de sua matilha para aprender - a isso chamamos de formação da “personalidade”, ou na linguagem mais técnica, imprinting.
Este processo foi investigado pela primeira vez pelo austríaco Konrad Lorenz, um dos pais da etologia moderna e ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina em 1973 pelos seus estudos sobre comportamento animal. Ao observar patos e gansos Lorenz descobriu que o imprinting ocorre durante um período relativamente curto chamado de período sensível ou período crítico. No caso dos cães, é nesta fase que desenvolvem a habilidade de comunicação com outros cães da matilha e a aprendem a se posicionar na hierarquia social. As informações aprendidas durante este processo podem ser difíceis ou impossíveis de reverter.
Segundo Con Slobodchikoff, professor emérito do Departamento de Biologia da Universidade do Arizona, o imprinting é a primeira oportunidade de aprendizagem que acontece na idade tenra do animal. Numa matilha, durante os primeiros passos de uma ninhada, a mãe e os cães mais velhos permitem que os bebês façam quase tudo, afinal, são crianças não é? Mas com o passar dos dias, a mãe e os cães adultos passam a não tolerar as atitudes indesejáveis, como latir sem motivo, perturbar o sono de um cão adulto, ou seja, desfiar a autoridade dos mais velhos de algumas forma. O aprendizado começa a ser feito por meio de correções vindas da mãe e dos mais velhos.
Outra característica da fase do imprinting é que o animal aprende a qual espécie pertence. Isso é importante para o acasalamento da espécie e para a socialização do animal no seu grupo.
Nesta fase aprendem com sua mãe e com os irmãos de ninhada - isso faz com que eles compreendam seu grupo social. Ou melhor, aprendem que humanos são uma coisa e cães são outra. Aprendem a sinalizar para os irmãos quando estão dispostos a brincar e também quando a brincadeira foi longe demais. Essas habilidades são importantíssimas para o futuro da convivência deste filhote na sua futura “matilha humana”.
Se um filhote é retirado do seio de sua mãe aos 30 ou 40 dias, ele perde a chance de aprender sobre a parceria entre cães, o respeito pela a hierarquia e poderá não compreender seu posicionamento em uma matilha e/ou parceria social existente nela. Um filhote retirado cedo demais, aprenderá suas impressões com os humanos que lhe cercam, e poderá pensar em si como um humano ou até mesmo, no humano como um cão.
Normalmente estes filhotes vão para a casa de seus novos donos e lá ficaram isolados do contato com outros cães até tenham tomado todas as vacinas. Isso basta para que ele repudie um cão estranho pelo simples fato não reconhecer ou saber mostrar certos sinais de paz. Se tornando assim um cão anti-social.
Em alguns casos, Con Slobodchikoff explica que, este cão, quando colocado na presença e companhia de outros cães, não terá as habilidades sociais necessárias para saber como interagir com os semelhantes, nem terá sequer interesse pelos protocolos de saudação caninos. Num grupo de cães ele pensará que está cercado por alienígenas e muitas vezes, e responde ao grupo de forma agressiva.
Por isso um cão anti-social é tudo o que você não quer. Um cão anti-social é aquele que morde sua sobrinha de 4 anos sem aviso, é aquele que avança no seu namorado, avança em outros cães na hora de passear, simplesmente por que esse cães quiseram cheirá-lo — ele não entenderá que o outro cão veio em paz, justamente porque não aprendeu a ler a linguagem corporal canina. Um cão anti-social é aquele que rosna toda vez que você chega perto da comida dele, do brinquedo. É aquele cão que todos os funcionários do banho e tosa lembram e odeiam!
Felizmente, cães num grupo misto, de humanos e cães, aprendem a distinguir seus semelhantes dos humanos. E quando é permitido que ele fique com sua mãe e irmãos até a 3o ou 4o mês - voilá! Aprende todas as habilidades sociais que precisará no futuro.
Mas, se no momento do imprinting, for colocado somente na companhia de humanos e além disso, ficar isolado, ele irá reconhecer somente as pessoas ao seu redor, poderá tornar-se agressivo com outros cães e com pessoas estranhas. E no final, talvez você até diga: “ahh, mas lá em casa ele adora as crianças e nunca rosnou pra ninguém!” - bem, agora você já entendeu porque né? E isso não retira dele o rótulo de cão anti-social.
Aproveite o ensejo para reconhecer um criador que quer manter os filhotes mais tempo na matilha. Esse é o criador que se preocupa com a raça que cria! Os pseudo criadores, querem logo se livrar da trabalheira e liberar os filhotes assim que desmamam, sem se importar com as consequências que seus atos possam trazer.
Embora os efeitos de imprinting mal conduzido possam ser revertido, Con Slobodchikoff nos conta que isso dá um certo trabalho. Um cão que não aprendeu habilidades sociais em idade precoce pode até ser socializado, mas isso requer muita paciência e esforço por parte do proprietário. Segundo ele a maneira mais fácil de prevenir futuros problemas ainda é retirá-lo da matilha em idade bem adiantada.
Este post foi escrito em conjunto com Andreia Camargo, criadora de Westies, proprietaria do canil Holly Westie.